sexta-feira, 9 de março de 2012

A SAGRADA FAMÍLIA

Ai J. ouviu: “filho, olha o tio viadinho”. Era a mesma brincadeira de anos atrás, de sua infância e adolescência, quando os irmãos almoçavam e acabavam brigando. O irmão de J. possuía a persistente mania de humilhá-lo. A infância e adolescência inteira fora menosprezado, diminuído. Mas as intenções eram puras. Brincadeiras de criança com forte apelo de auto afirmação.
J. olhou para o pai, ao lado, em silêncio, como para que este – sempre e sempre partidário do irmão de J. – também ouvisse e comungasse com ele daquela palhaçada.
E o sobrinho repetiu: “tio viadinho”, com a candura típica das crianças.
Aí J. olha para a mãe, que servia a maionese para o pai, recolhida num sossego que diz não poder fazer nada, toda mimos para com o netinho. Além do mais, eram visitas, e eram raras. “Graças a Deus”, pensou J. e engoliu uma porção de maionese.
J. era o tio fracassado, e o garoto - seu lindo sobrinho - zombava dele, tal qual seu irmão fizera anos a fio. E ele não gostava disso, dessa emulação da ignorância, do demérito. “Enfim, era seu irmão”, pensava J., “mas agora a hora do almoço era demais, porra!”
Mas tudo bem: nova garfada e a boca de novo bem cheia de comida, daí foi muito fácil ficar quieto. Não queria quebrar a calma daquele domingo, quem sabe por gratidão ao se mostrar alegre em ver todos reunidos, repartindo o momento sagrado de uma refeição em família, no caso, um churrasco – agora com a adição inédita de um sobrinho muito obediente ao papai.
“Ah, como é bom ter uma família”, pensou tentando garfar uma ervilha insubmissa.


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